terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Volta




Às vezes pesa.
Às vezes rasga.
Às vezes, chove.
Que chova, 
pois o mundo também tem suas dores.
Depois passará.
Passarinhos que somos.
É quando a poesia senta na calçada 
e a gente inventa mais um pouco, 
só pra ter mais sol.
Terá.




quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Degradê



Minha máscara: Degradê .

Não reconhece? Insisto, porque debaixo dela eu moro, e se aspira conhecer a mim, dê algum sinal, se não me escondo, fico submersa, debaixo das plumas e mágoas, neste aconchego equivocado.

Minhas mãos... Saiba que elas já tatearam a intensidade. Plantaram, colheram, arrebanharam: silêncios e desenhos de sombras. Tocaram o vento. E também acenaram às fatalidades.

Veja que não sou esboço do que sonhei ser um dia. Na infância dos meus sonhos eu sucumbiria às descobertas, quando adulta, e não haveria limites para a sapiência e a ciência sobre os sentimentos que desejasse conhecer. Não haveria álibi que me livrasse da culpa, ré que seria por desejar da vida cada farpa, cada afago. E minha mãe me ensinou o amor sem caras e bocas, sem bolsos, sem raça. Minha mãe me ensinou o amor indiferente às distrações que pudessem tirar dele, na essência do seu significado ainda tão enigmático, a honestidade. E ao amor honesto delega-se o incondicional. Sendo incondicional com o outro, espera-se o mesmo. Porém, quase sempre, espera-se em vão.

Sentei-me à margem da vida, olhos cravados no avesso do espelho, abocanhando a antítese dos fatos, vislumbrando a ilusão das conquistas. Esperei. Incondicionalmente. Minha máscara é cortesia da humanidade esfarrapada. Fazer? Observar intolerâncias?

Prefiro cortejar mudanças.

Mas, contenha-se...

Antes de me aceitar, abstraia a tagarelice da sua consciência. Que não seja pelo equívoco de se convencer afetuoso, enquanto sente é piedade. A piedade eu dispenso, porque ela me dispersa. Antes de me aceitar, se possível for, conheça-me às avessas, porque fui jogada ao mundo para contracenar com o inadaptável. Eu e mais tantos. Ainda assim, somos solitários. Somos cada um a vagar pelos próprios cômodos de casas abastecidas com vazio. Somos erros cometidos por um Deus preocupado com coisas mais importantes do que nossa sofreguidão. A sofreguidão de quem não cabe aqui ou ali, de quem foi feito à imagem e semelhança do desconcerto, e se arrasta pela vida, à sombra dos rótulos.

Quem está apto a nos julgar? Quem tem a consciência tranquila para fazê-lo sem tropeçar em próprios erros? E se busquei em outras fontes a solução para a alma, não foi por gosto, mas por vazio querendo ser preenchido. Sabe que gente sabe fazer outra gente se decepcionar fácil, fácil? Basta um olhar, um esgar. Basta uma palavra amarga em meio a tantas outras benevolentes. Ferir é arte que o ser humano domina. Quando quer, ele destrói sem esperança de reconstruir, e depois faz de conta que não foi com ele. Não assina autoria do desfeito. Convive bem com o crime que não tem nome de crime, porque não mata assim, logo de cara. É mágoa para carregar pela vida.

Confesso que este agora me alucina um tanto que parece pouco, sei, mas alucina. Meus olhos se atrevem a desenquadrar a realidade, e meus pés tocam o chão como se, na verdade, ele não existisse. Falseio o passo, e se caísse? Arrebentasse de desespero? Raramente, quem não cabe se conforma. Vai pegando fórmulas milagrosas aqui e ali. Aceitar o conformismo seria o mesmo que assinar atestado de óbito para a vontade de sentir. Sentir além do que parece possível. Sentir com toda força que o ato exige quando se tem – latejante – a vida dentro da gente. E pensamos lutar pela igualdade, mas durante um tempo não nos damos conta do óbvio: não há como igualar diferenças. Sublimá-las a um mesmo cheiro e a um mesmo gosto seria assassinar a beleza que há na multiplicidade. Seria designar destino certo ao que nasceu para conquistar o seu próprio. E é assim, nesse afobamento, que vou levando o desentendimento com a simetria, com o justificável, o ‘rotulável’, o sonso. Amando e odiando o contrário de mim.

Quantos enganos não foram cometidos à custa do que não era? Inocentes dançando com condenações. Sorriso contracenando com a mágoa. Concordância violentando a vontade de assumir o gosto por outra opinião. E por que engolimos verdades? Por que deixamos para lançá-las já quando não fazem mais sentido? Ah, mas que não tenho respostas. Sou das que nasceram com as questões em pauta e no questionamento tenho levado a vida. Mas que conste em todos os autos que possam remeter à minha biografia: viver tem sido uma experiência fantástica. E se não estivesse estereotipada de fora para dentro, certamente alguns se encantariam por mim de dentro para fora, e depois a simetria de nada valeria. Eu tenho por gosto conhecer as pessoas assim, de dentro para fora. Sei bem quão fascinantes elas podem ser, mesmo que distantes do olhar do modismo que escraviza a perfeição às definições, padrões. Mas a perfeição é rebelde e, para aqueles que se atrevem a olhar adiante, oferece grandes surpresas.

O poeta falava sobre peculiaridades, o olhar vagando nos olhares dos outros. Escreveu versos sobre a ambivalência do que sentia. Considerava-se dois e até quase dois mil dele mesmo, cada um vestindo sua máscara preferida. Às vezes, acordava com desejos de amante ou humanista. Em outras, de crente ou cético. Cada segundo de sua vida, representando não um ponteiro se adiantando no caminho do tempo, mas sim uma fração do que habitava em seu coração. Soubessem prestar atenção sem se escandalizarem com a diferença, os transeuntes da biografia dele reconheceriam no poeta diferentes paisagens que formam o universo aprisionado em seu corpo. Porém, distraídos com os próprios lamentos, não notam a riqueza que no poeta habita. Não se permitem envolver pelas nuances de sua alma.

Fato é que aprisionar tem sido tema dessa existência que me abarca. Porém, diferente do que dizem por aí, percebo que o contentamento não vem em comprimidos. Não está depois dos tremores e da taquicardia. Não convive com a fadiga que corrompe as vontades que me lembro de sentir desde o dia em que aprendi a reconhecê-las. E pior do que ser crupiê neste jogo, é deixar-se enganar, dar-se por vencido, disfarçando a curiosidade alheia com frases feitas sobre como o amanhã reserva um pote de melhorias no final do arco-íris. É que o amanhã pode até oferecer mais, só que esse mais não vem em potes, não está condicionado às fórmulas. O mais, que costumamos fantasiar de inalcançável, mora em um vão do equilíbrio.

E aqui estou: na corda bamba, no anverso dos meus sentimentos. Vestida de lamentos e esperança de que, dia desses, amanheça às malhas da despreocupação sobre não frequentar a benquerença de quem se entende somente com o imediatismo do olhar. Porque eu sei que o que importa está sempre além, e leva tempo para se conhecer. Leva ao desgarrar dos rótulos, dos títulos, dos invólucros.

Agora, devo voltar à minha máscara. Degradê. Repousar as angústias geradas pela espera da real compreensão de que o ser humano não é definido pelo o que lhe falta, mas sim transformado pelo o que experiencia.

Já fui e serei tantas que não caberei em descrições. E aqui, no avesso, reconheço meus mistérios e me nego a sentenciar sentimentos ao raso. De dentro para fora... Do avesso... Eu... Degradê.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Mar-Íntimo




Gastou um bom tempo observando a lonjura, o mar a sua frente, tão largo que não cabia na janela do olhar. Gastou esse tempo também torcendo a barra da saia, como se trançasse a trilogia das expectativas sobre a mudança. Ao seu redor, pessoas assanhadas com o feriado, clicando suas câmeras fotográficas, ansiosas por chegarem em suas casas e jogarem o horizonte nos seus computadores. E então, assistir ao mar em forma de pixels, inerte, congelado. Depois esquecê-lo num diretório com nome do qual jamais se lembrarão, e que acabará na lixeira na próxima limpeza virtual, sem que seja conferido o seu conteúdo.


Sempre foi fascinada pelo mar, por encará-lo de frente. Durante as horas em que costuma passar diante dele, ela escreve uma autobiografia silenciosa e criada apenas para suprir os seus desejos. Nas autobiografias desveladas em pensamento, no afã da sua criatividade, ela já foi guerreira ganhando batalhas, uma Joana D’Arc ainda mais destemida, defendendo uma crença, um sussurro em seu ouvido, uma voz escancarando o seu dentro. Também viveu seu quê de desbravadora, de menestrel, de estrela das artes, assim como compartilhou a refeição única do dia com aqueles que compartilhavam da sua condição de itinerante.

Se fossem capazes de lê-la de dentro pra fora, as pessoas não fotografariam lembranças para colecionarem já com a pretensão de esquecê-las. Usariam sim este tempo para a compreensão de que as mudanças são constantes, às vezes tão rápidas, que tatuar momentos na alma da gente é uma forma eficaz de mantê-los vivos. Não fabricariam memórias esquecíveis em computadores ou papel fotográfico, mas sim viveriam essa memória inteiramente, até que ela fizesse parte deles como faz parte dela agora. Não há como subtrair da alma de uma pessoa a beleza de uma lembrança.

Saiba que ela nada tem contra computadores e fotografias. Ela mesma possui notebook e câmera fotográfica. Não é a tecnologia que a incomoda, mas sim como as pessoas depositam nela o dever de ser a extensão segura de suas vidas. Há coisas que devemos viver de acordo com o nosso pulsar, que precisam ser experimentadas sem apego à facilidade. Às vezes, é preciso sentir, ao invés de registrar. Mergulhar em algo, ao invés de colecioná-lo no álbum de fotografias.

Pensa em alguém que vive as suas aventuras mais ricas, enquanto o seu olhar se afoga no mar; enquanto se perde na imensidão do seu dentro, nesse jeito onde não cabe outro senão os seus inventados, alguém assim não pode merecer que lhe toquem as mãos em conforto, demonstrando apreço e oferecendo companhia. Numa das suas autobiografias inventadas, ela consegue apenas olhar esse amor como agora olha para o mar.

E enquanto ao seu redor as pessoas angariam imagens ao clicarem suas câmeras, e falam todas ao mesmo tempo, criando um burburinho ritmado, ela esquece a si no horizonte, na imensidão do mar, na impossibilidade de mostrar a eles o que, dentro dela, acontece: desejo cingindo mudanças, uma sinfonia de acontecimentos, ora dóceis, ora tempestuosos. Tons e semitons, rupturas e aconchegos. O amor dado e recebido, horizontes fora de diretórios, mar em movimento.

A vida acontecendo.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Das Verdades Absolutas


Estar bem e feliz é uma questão de escolha e não de sorte ou mero acaso. É estar perto das pessoas que amamos, que nos fazem bem e que nos querem bem. É saber evitar tudo aquilo que nos incomoda ou faz mal, não hesitando em usar o bom senso, a maturidade obtida com experiências passadas ou mesmo nossa sensibilidade para isso. É distanciar-se de falsidade, inveja e mentiras. Evitar sentimentos corrosivos como o rancor, a raiva e as mágoas, que nos tiram noites de sono e em nada afetam as pessoas responsáveis por causá-los. É valorizar as palavras verdadeiras e os sentimentos sinceros que a nós são destinados. E saber ignorar, de forma mais fina e elegante possível, aqueles que dizem as coisas da boca para fora ou cujas palavras e caráter nunca valeram um milésimo do tempo que você perdeu ao escutá-las.

quinta-feira, 31 de maio de 2012


"O sabor está nas passagens. O definitivo é cansativo demais. (...) Tudo que não muda nos condena, nos condiciona. O bom da vida é saber que passa. Um fim de tarde com toda a sua beleza não cabe no tempo. E por isso ele se vai. (...) A beleza está nos intervalos, nos espaços de luz em que a sombra já se mostra." 

(Pe. Fábio de Melo - Mulheres de Aço e de Flores) 


Fé nunca falta na vida dela. Ela acredita, desde que se entende por gente. E segue a vida apostando, vibrando e sentindo. E é por sua fé que ela vê nas entrelinhas. Que ela entende que os caminhos não se cruzam por acaso. Que a vida é mestre. E que as chances de fazer diferente – e melhor, e mais bonito – existem em cada esquina que se dobra. Basta estar atento a elas. E ela anda cada vez mais observadora. Com o coração cada vez mais aberto. Com a alma leve. Leve pela alegria, pelo amor, pela renovação e pela certeza de que sua fé nunca falha. E mais uma vez ela comprova a mágica da vida através de Deus. Através dos seus. Por meio dos presentes diários que recebe e pela maravilha de sentir seu coração vibrar de novo. Sem medos. Só pela fé. A sua fé. 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Outonar



Eu outono
Tu outonas
Ela outona
Nós outonamos
Vós outonais
Elas outonam.






Certas árvores recolhem a seiva no outono,
sorvem de si o essencial e deixam ir o que caducou.
Ficam mais quietas e caladas,
metidas consigo, no interior do tronco e dos ramos.
Certas árvores sacodem dos ombros 
os pesos mortos e agradecem ao vento e tempestades 
a gentileza de lhes levar o que já não serve.
Ficam mais leves e mais limpas,
para renascer quando for tempo.

Certas árvores preservam a vida assim,
morrendo.

quarta-feira, 16 de maio de 2012


O amor
Por Adélia Prado

“A experiência amorosa exige sacrifício. Não se ama para ser  recompensado. O amor é sua própria recompensa. Não resisto em citar Drummond falando da poesia coisa parecida: “Poesia, o perfume que exalas é tua justificação”. Não há amor fácil, mas todo amor é maravilha, saúde, “remédio contra a loucura”, coisa que Guimarães Rosa ensinou. É a experiência humana mais exigente. Não é contrato, troca de favores, investimento, é entrega  e compromisso. Do “sacrifício” de amar nasce a mais perfeita alegria. Ninguém faz cara feia quando se sacrifica por amor. Não se trata de anulação, subserviência de quem ama, trata-se da morte do ego, tarefa a ser feita até o último suspiro.”

(Depoimento dado à Revista Lola Magazine – Outubro/10)





domingo, 8 de abril de 2012


Palavras no cio.
Estrelas no céu da boca.
A nudez das horas
debaixo dos cobertores.
A voz embargada.
O choro contido.
A emoção sequestrada
pelos desamores.
A obscena saudade
atravessa-me afiada
novamente.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Canção em Outras Palavras



O melhor cuidado com o amor
é deixar que floresça,
pois amor não se cultiva: é flor
selvagem, bela por ser livre.
Como as estações do ano, ele se abre,
dorme, e volta a perfumar a vida.
Amor é dom que se recebe
com ternura, para que não pereça
sua delicadeza em nossa angústia.

O amor não deve encerrar a coisa possuída,
mas ser parapeito de janela, ou cais
de onde se desprendam os revoos
e partam os navios da beleza
para voltar ou não, conforme amarmos:
nem de menos
nem demais.

Lya Luft

In Secreta Mirada e outros Poemas.

domingo, 1 de abril de 2012

Os Dias



Encaro minha humanidade como desafio, pois nem sempre me sinto capaz de exercê-la. Às vezes, encosto no tempo e fico a galantear vazios. Sou assim: meio lá, quase acolá.

Tem dias em que a felicidade me embriaga, e em outros, peço licença à tristeza para trafegar em seus campos, a melancolia a tiracolo. Não há regra, não domino a linguagem dos significados das jornadas. Mas sei que no final de cada uma delas há um réquiem à espera, pois como mencionam os oráculos, é preciso morrer para renascer; benfeitorias no aguardo.

E tem dias em que me sinto repleta, sem motivos ou expectativas. Trata-se somente de uma sensação boa que se levanta comigo; abro os olhos e percebo a vida mais mansa. Dias assim são preciosos, porque a identidade deles vem justamente do efêmero. E o que eterniza esse começo que se agarra fervorosamente ao fim, é a nossa capacidade de mantê-lo vivo na memória; mas não como um cemitério de lembranças, de onde tiramos uma nostalgia truculenta, que recorre às cobranças sobre não termos conseguido algo parecido ou melhor. Falo sobre perceber tais dias como milagres que são. Milagres de leveza e agrado, muito parecidos com aquele instante que antecede a revelação de um mistério. Quando percebemos que, depois dele, o antes jamais será o mesmo, ainda que venha a ser bem melhor.

Os dias são como páginas de um livro. Estamos sempre ligados à página atual pelo o que nos revelou as anteriores; e ao desejo pungente de saber o que há nas páginas que virão. Tecelões saberiam explicar melhor a teoria de que cada dia é um, ao conceberem suas obras a partir de retalhos, partes, fragmentos.

Fascina-me orientar solidões ao regalo dos fragmentos. Há inteiros disfarçados nestas partes. Então, há dias em que fico muda, bicuda, sem graça; daqui a pouco sorrio, gargalho, reverbero tolas valentias. Dias em que mil páginas cabem em uma, numa mistura sem regra de passado experimentado, presente destrambelhado e futuro idealizado. Dias em que todos os silêncios gritam sua mudez na minha alma.

Em dias como este: aquieto. Desafio minha humanidade olhando o mundo de longe. E, nessa lonjura, desperto a capacidade de voltar ao índice, ler prefácio, reiniciar a leitura de mim mesma.

terça-feira, 13 de março de 2012

Sobre Felicidade e Alegria


"[...]O que sei sobre a felicidade? O que dela experimentei. Ao longo destes anos vividos, muitas vezes eu reconheci que meu corpo estava visitado por uma satisfação diferente. Uma satisfação não brotada de motivos. Uma sensação que nascia sem que eu pudesse conhecer suas causas. Era como se a realidade imaterial se hospedasse em meu corpo, criando um estado de harmonia, que assim como vinha também partia. A breve passagem sempre funcionou como um indicativo de que estava no caminho certo.

Compreendo a felicidade dessa forma. Viver confortável em mim mesmo, e vez ou outra receber a confirmação que me vem pelas sensações. Reconheço minha felicidade escondida em pequenas coisas miúdas. São pequenas interferências que quebram o cotidiano e sua continuidade. Por um instante, a vida parece parar. O coração descobre um novo jeito de enxergar o sempre visto, o mundo que nunca muda, e nele encontra um motivo para sorrir ainda que a vida ande escassa de alegrias. Custa a gente aprender, mas nem sempre a felicidade estará de braços dados com a alegria. A alegria sobrevive de motivos externos. Felicidade não. É mais profunda. Não depende das alegrias para que seja real. É possível ser feliz mesmo quando não estejamos alegres. Em muitos momentos árduos da vida eu permanecia feliz. Por quê? Eu tinha certeza de que estava no lugar certo, fazendo a coisa certa.
A realização humana, raiz de toda felicidade, consiste em saber-se a pessoa certa no contexto das escolhas feitas. Encontrar conforto ainda que a vida esteja pesada, porque sabemos que estamos onde verdadeiramente deveríamos estar. É o sacrifício salutar. Reconhecer que, mesmo na ausência de alegrias, a felicidade permanece motivando a luta."

Trecho do Livro  "Tempo de Esperas" Editora Planeta - Pe. Fábio de Melo.

sábado, 10 de março de 2012

"Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam."
Clarice Lispector in A Hora da Estrela.



segunda-feira, 5 de março de 2012

Ouvindo Estrelas


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto. 

E conversamos toda a noite, enquanto 
A Via Láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e entender estrelas."

Via Láctea - Olavo Bilac





sexta-feira, 2 de março de 2012

Ruminação


Deixar-se à mercê do significado literal de mastigar.
Mastigar a vida.
Alimentar-se dela.
Mastigar os sentimentos.
Alimentar-se deles.
Mas de um jeito tão silencioso,
porque não deseja dividir a trilha sonora
com desconhecidos nada interessados em conhecer o "mais de dentro" do outro.
Ruminar somente com conhecidos de alma;
com aqueles que se permitem exorcizar tragédias pessoais.
Das pequenininhas às devastadoras.
E dos que riem do outro, mas sem ofender ao próximo.
Dos que fazem certo charme,
mas ficam por perto e confidenciam que, às vezes,
cultivam fetiche pela felicidade.
Ruminando lonjuras quando tudo o que se quer
– com o desespero dos silentes -
é aquele abraço.
Nenhum outro.
Nem ninguém.
E daí fazer bico,
chutar parede que é pra doer mais o dedo do pé do que a alma
Que deixou de querer ser amante da solidão enraizada.
E então de uma hora para outra,
deu-se conta de que depois de um tempo
- que nem dá pra contar -
o coração deixou a aridez de lado
e convidou a paixão pra dançar.
Matando a sede de viço.
De vida.
Dando de comer ao amor.
E às danças: pés descalços tocando o assoalho.


domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Teia


Foto: Mahatma Gandhi. Fonte: Google.

A vida, as escolhas, os caminhos são tecelagem.
Requerem atenção, paciência, treino, firmeza, 
perícia, 
delicadeza,
desde o fiar da linha ao entrelaçar dos fios.
A vida está presa por fios,
tão frágeis e tão firmes como a teia de uma aranha.
Belíssima e forte, esta rede que nos ampara, 
que nos segura,
quando tecida com atenção, proporção.
Quando tecida com o coração.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ciclo do Tempo


Só germina a semente que se entregou à terra.
Germina porque se entregou.
Morreu como semente.
Renasceu planta.
Fez-se alimento.
Fez-se nova semente.
Viveu com desapego todas as formas.
Cumpriu-se.
Uma e outra vez voltará a entregar-se.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ouvindo o silêncio


Não sei dizer exatamente como nem quando aconteceu, só sei que de alguma forma chegamos ao ponto onde, como dizia Renato Russo, as pessoas falam demais por não terem nada a dizer. E então começaram a falar tanto, mas tanto que as palavras se tornaram pequenas e  muitas delas que eram cheias de significado, hoje, já não significam quase nada.

Além das palavras terem se tornado só palavras, o silêncio se tornou um problema. Nós esquecemos como é que se faz para apreciar esses pequenos momentos onde não temos nada a dizer, mas não porque estamos chateados com quem está ao nosso lado, que é o que a maioria pensa, mas sim porque às vezes queremos só apreciar o momento.

Pensei muito nisso depois de ir ao cinema assistir "O Artista". Que filme maravilhoso! Nele podemos entender o real significado da  palavra expressão. Muitas vezes nos expressaríamos melhor, com muito mais clareza e sinceridade se parássemos de falar um pouquinho e fizéssemos mais. Dizer que sente saudade é muito pouco, perto de ir fazer uma visita a alguém que você já não vê faz tempo. Dar os parabéns por alguma conquista de outra pessoa, não é a mesma coisa que comemorar essa conquista junto com ela. E dizer eu te amo não é a mesma coisa de preparar uma surpresa, de mandar flores, escrever uma carta, ou várias outras coisas que podemos fazer para mostrar para alguém que se ama, ao invés de só dizer.

Não vivi a era do cinema mudo mas já vi alguns filmes, principalmente de Chaplin, e confesso que assistir a um filme que foi propositalmente feito em preto e branco, e mudo, em uma época onde tudo explode, tudo faz barulho, todos falam o que sentem sem precisar mostrar que realmente estão sentindo, foi uma experiência muito boa.

No começo, me senti um pouco estranha, em certos momentos eu conseguia ouvir as pessoas mastigando as pipocas, um celular tocou por descuido, e deu para acompanhar os trailers que passavam na sala ao lado. Mas o filme me prendeu de uma maneira incrível e me fez realmente pensar, nem sei se a intenção era mesmo fazer refletir ou deixar alguma lição, mas essa coisa do silêncio que incomoda tanto, ficou em mim por uns dias.

Se você não é muito dado ao silêncio, mas também quer fugir dessa onda de falar sem dizer nada, encontre outra forma de se expressar, vá escrever, dançar, cantar, pintar, esculpir, qualquer coisa com a qual você se sinta bem. Mas vamos tentar manter em mente que dizer só com palavras é fácil e não é o bastante, muitos dizem para os seus maiores inimigos que os amam com uma facilidade imensa. Difícil é falar com os olhos, com o coração, enfim, com o corpo todo. Afinal, a boca é o que menos fala e isso a gente vai descobrindo com o tempo.



sábado, 11 de fevereiro de 2012

O amor acaba

Ilustração: Eleonora Goretkin

Por Paulo Mendes Campos



"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."



*Trecho extraído do livro "O Amor Acaba - Crônicas Líricas e Existenciais " -
 Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1999, pág. 21,
 organização e apresentação de Flávio Pinheiro.





quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Para toda saudade que existe



Quero a tepidez dos risos, as gargalhadas ébrias
Os braços estendidos, abrigo, amparo.
Quero mastigar madrugadas, devorar devaneios.
Quero aquecer o sonho, polir alegrias.
Arrimar o amor, escancarar a paixão.
Quero esfarelar a saudade, escondê-la em cantigas
Deixá-la num soneto, num beco, 
Dar-lhe a língua.
Quero vê-la morrer, no tempo, no vento
À míngua.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Permitir-se






"Intimidade é quando a vida da gente relaxa diante de outra vida e respira macio.
 Não há porque se defender de coisa alguma 
nem porque se esforçar para o que quer que seja. 
O coração pode espalhar os seus brinquedos.
 Cantar a música que cada instante compõe. 
Bordar cada encontro com as linhas do seu próprio novelo. 
Contar as paisagens que vê enquanto cria o caminho. 
Andar descalço, sem medo de ferir os pés."
Ana  Jácomo



Eu deixo que teu canto me cale e encha de voz meu coração. Quero que todas as palavras dos teus olhos me ensinem que o sentido das coisas pode ser maior quando a gente se perde de tanto amar. Eu deixo que a leveza das tuas mãos me revelem os caminhos, que podem me levar tão profundamente como jamais pude ir no interior de mim mesma. E me permito ser vista por ti, em toda minha essência e fragilidade, para que me sintas inteira e só possas me querer desta forma. E me deixo sentir o máximo de tudo que pode agüentar meu peito. E encho meus ouvidos do som da tua voz, deixando-a ecoar, semeando minha mente e invadindo minha razão pela tua, para que sejas em mim tanto quanto eu mesma sou. E me deixo ir além, e querer-te assim, visceralmente, como o pássaro deseja a imensidão do céu, ou a Lua que não pode brilhar sem a luz do Sol. Não sou sem ti senão apenas a sombra de mim mesma, e em meu gesto está o teu, assim como a pele que me veste e o ar que me mantém viva. Eu me calo para que ressones e entrego a luz dos meus olhos a ti para que te mantenhas aquecido. E sigo ao teu lado, "como encantada", feliz e serena. Porque sou pequena demais, meu amor, quando não estou em teus braços.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Caro você




A sua existência não decide guerras, mas certamente torna a batalha mais justa, juntando-se a você aqueles que crêem na felicidade como conquista diária, oriunda da labuta na construção de si e da ciência da importância do outro na arquitetura da vida.

Meu caro você, não há dinheiro que compre a sua essência, pelo simples fato de que certas coisas não estão à venda, tampouco são vendadas, apenas para adiar sofrimento. E o que mais me impressiona em você é a sutileza, apesar da crueza, das tempestades, dos tombos. Apesar do peso das dolências e também de como, vez ou outra, somos desacreditados por aqueles que estão sempre a debochar da benfeitoria. Como se estivesse fora de moda ser verdadeiro. Démodé.

A vida não se agarra à sua existência, mas certamente se perfuma com ela, e sai por aí em busca de outras que sejam tão preciosas ao equilíbrio da sua jornada. Existência que é sua, mas não é perfeita. Porque, meu caro você, não se trata de perfeição projetada ao gosto de uns e outros. Trata-se apenas de levar a vida da melhor maneira possível, sem usar o outro como escudo, ou dedicar aos inocentes as próprias culpas.
É a vida sendo vivida.

A vida não gira em torno da sua existência, mas certamente se enfeita com ela, deslumbrando transeuntes, deixando-os embevecidos com a sua presença. E os poetas que tentaram, ainda não conseguiram dizê-lo com rebuscadas palavras, em versos que o alcançassem.






domingo, 15 de janeiro de 2012

Para uns olhos

"Foi assim como ver o mar, 
a primeira vez que os meus olhos
se viram no seu olhar."

Todo Azul do mar - Flávio Venturini




E fico olhando para ti, para esses olhos que foram feitos de faíscas do Big Bang, mas que aqui na Terra têm o dom de serenizar tudo que tocam.
Olho para uns olhos que destituem a paz de dentro de mim. Que me fazem sentir intensamente viva e pulsante.
Olho para uns olhos que me fazem arder a ponto de sublimar todo o meu corpo.
São uns olhos suaves, daqueles que sabem fazer vazar parte dos pensamentos por suas órbitas para nos desvirtuarem de qualquer coisa que possa nos distrair. E são doces, doces! Dois cálices de mel incrustados numa face de anjo. Adornados por esse sorriso de sol, rasgando triunfante a madrugada, esse sorriso de lua clara crescente, reinando absoluto no infinito do cosmo.
São uns olhos compenetrados e um tanto tristes mas meigos. De uma ternura demasiada e constante, dos que conservam absoluta beleza até no cerrar das pálpebras.
São lindos demais os teus olhos!
E mirá-los, para mim, que andava meio de lado das utopias da vida, é a redescoberta do mais inesperado sonho: o de poder sonhar sem temer. De poder me lançar do precipício e cair exata nos teus braços, inteira e totalmente entregue. E permitir ao meu coração que ele bata desenfreado o quanto quiser.
O sonho de querer alguém a ponto de existir como se não houvesse caminhos pra seguir ou regressar.
A profundidade luminosa do teu olhar é a coisa mais simples e bela que já pude observar em anos. E o tempo inteiro do mundo se reverte em segundos quando a luz da tua íris límpida toca e se faz refletir na superfície da minha pupila maravilhada.
É como se não existisse mais nada ao redor.
E continuarei a fitar teus olhos soberanos que brilham imóveis dentro de mim.
E a vida se abre numa imensidão tão infinita quanto esse brilho, quanto esse sentimento cego e louco que agora me devasta para reconstruir, átomo por átomo, fibra por fibra, sonho por sonho, aquela que sou de verdade.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Nada melhor que estrear o primeiro post de 2012 falando do que me move, me enobrece, me humaniza, me sustenta em seus braços, me pega pela mão e diz: "vem comigo!".  Nada melhor do que começar esse ano com ele no pensamento, no coração, na bagagem. Somente ele e por ele eu desfaço os nós, recomeço, reinvento, renasço das cinzas. Ele que é causa e consequência. Ele que me fez chegar até aqui com um extenso histórico de tombos, de quedas, rasteiras que ele mesmo se encarregará de curar e que apesar disso me faz acreditar mais e mais no seu poder de transformação, no seu poder de fazer os sentimentos bons circularem, serem recíprocos. Ele que mais uma vez me provou que estou pronta pra vida, que estou  inteira, intensa, completa, que estou pro que der e vier sem receios de errar. Porque se eu errar, eu não estarei sozinha, estarei de braços dados com ele que é a razão de tudo que eu sou, que me orienta, me guia e me faz pulsar. Ele nos seus vários tons, nas suas diversas formas, fôrmas e aromas, vozes, causas e sintomas: o amor.