domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Teia


Foto: Mahatma Gandhi. Fonte: Google.

A vida, as escolhas, os caminhos são tecelagem.
Requerem atenção, paciência, treino, firmeza, 
perícia, 
delicadeza,
desde o fiar da linha ao entrelaçar dos fios.
A vida está presa por fios,
tão frágeis e tão firmes como a teia de uma aranha.
Belíssima e forte, esta rede que nos ampara, 
que nos segura,
quando tecida com atenção, proporção.
Quando tecida com o coração.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ciclo do Tempo


Só germina a semente que se entregou à terra.
Germina porque se entregou.
Morreu como semente.
Renasceu planta.
Fez-se alimento.
Fez-se nova semente.
Viveu com desapego todas as formas.
Cumpriu-se.
Uma e outra vez voltará a entregar-se.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ouvindo o silêncio


Não sei dizer exatamente como nem quando aconteceu, só sei que de alguma forma chegamos ao ponto onde, como dizia Renato Russo, as pessoas falam demais por não terem nada a dizer. E então começaram a falar tanto, mas tanto que as palavras se tornaram pequenas e  muitas delas que eram cheias de significado, hoje, já não significam quase nada.

Além das palavras terem se tornado só palavras, o silêncio se tornou um problema. Nós esquecemos como é que se faz para apreciar esses pequenos momentos onde não temos nada a dizer, mas não porque estamos chateados com quem está ao nosso lado, que é o que a maioria pensa, mas sim porque às vezes queremos só apreciar o momento.

Pensei muito nisso depois de ir ao cinema assistir "O Artista". Que filme maravilhoso! Nele podemos entender o real significado da  palavra expressão. Muitas vezes nos expressaríamos melhor, com muito mais clareza e sinceridade se parássemos de falar um pouquinho e fizéssemos mais. Dizer que sente saudade é muito pouco, perto de ir fazer uma visita a alguém que você já não vê faz tempo. Dar os parabéns por alguma conquista de outra pessoa, não é a mesma coisa que comemorar essa conquista junto com ela. E dizer eu te amo não é a mesma coisa de preparar uma surpresa, de mandar flores, escrever uma carta, ou várias outras coisas que podemos fazer para mostrar para alguém que se ama, ao invés de só dizer.

Não vivi a era do cinema mudo mas já vi alguns filmes, principalmente de Chaplin, e confesso que assistir a um filme que foi propositalmente feito em preto e branco, e mudo, em uma época onde tudo explode, tudo faz barulho, todos falam o que sentem sem precisar mostrar que realmente estão sentindo, foi uma experiência muito boa.

No começo, me senti um pouco estranha, em certos momentos eu conseguia ouvir as pessoas mastigando as pipocas, um celular tocou por descuido, e deu para acompanhar os trailers que passavam na sala ao lado. Mas o filme me prendeu de uma maneira incrível e me fez realmente pensar, nem sei se a intenção era mesmo fazer refletir ou deixar alguma lição, mas essa coisa do silêncio que incomoda tanto, ficou em mim por uns dias.

Se você não é muito dado ao silêncio, mas também quer fugir dessa onda de falar sem dizer nada, encontre outra forma de se expressar, vá escrever, dançar, cantar, pintar, esculpir, qualquer coisa com a qual você se sinta bem. Mas vamos tentar manter em mente que dizer só com palavras é fácil e não é o bastante, muitos dizem para os seus maiores inimigos que os amam com uma facilidade imensa. Difícil é falar com os olhos, com o coração, enfim, com o corpo todo. Afinal, a boca é o que menos fala e isso a gente vai descobrindo com o tempo.



sábado, 11 de fevereiro de 2012

O amor acaba

Ilustração: Eleonora Goretkin

Por Paulo Mendes Campos



"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."



*Trecho extraído do livro "O Amor Acaba - Crônicas Líricas e Existenciais " -
 Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1999, pág. 21,
 organização e apresentação de Flávio Pinheiro.





quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Para toda saudade que existe



Quero a tepidez dos risos, as gargalhadas ébrias
Os braços estendidos, abrigo, amparo.
Quero mastigar madrugadas, devorar devaneios.
Quero aquecer o sonho, polir alegrias.
Arrimar o amor, escancarar a paixão.
Quero esfarelar a saudade, escondê-la em cantigas
Deixá-la num soneto, num beco, 
Dar-lhe a língua.
Quero vê-la morrer, no tempo, no vento
À míngua.