domingo, 8 de abril de 2012


Palavras no cio.
Estrelas no céu da boca.
A nudez das horas
debaixo dos cobertores.
A voz embargada.
O choro contido.
A emoção sequestrada
pelos desamores.
A obscena saudade
atravessa-me afiada
novamente.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Canção em Outras Palavras



O melhor cuidado com o amor
é deixar que floresça,
pois amor não se cultiva: é flor
selvagem, bela por ser livre.
Como as estações do ano, ele se abre,
dorme, e volta a perfumar a vida.
Amor é dom que se recebe
com ternura, para que não pereça
sua delicadeza em nossa angústia.

O amor não deve encerrar a coisa possuída,
mas ser parapeito de janela, ou cais
de onde se desprendam os revoos
e partam os navios da beleza
para voltar ou não, conforme amarmos:
nem de menos
nem demais.

Lya Luft

In Secreta Mirada e outros Poemas.

domingo, 1 de abril de 2012

Os Dias



Encaro minha humanidade como desafio, pois nem sempre me sinto capaz de exercê-la. Às vezes, encosto no tempo e fico a galantear vazios. Sou assim: meio lá, quase acolá.

Tem dias em que a felicidade me embriaga, e em outros, peço licença à tristeza para trafegar em seus campos, a melancolia a tiracolo. Não há regra, não domino a linguagem dos significados das jornadas. Mas sei que no final de cada uma delas há um réquiem à espera, pois como mencionam os oráculos, é preciso morrer para renascer; benfeitorias no aguardo.

E tem dias em que me sinto repleta, sem motivos ou expectativas. Trata-se somente de uma sensação boa que se levanta comigo; abro os olhos e percebo a vida mais mansa. Dias assim são preciosos, porque a identidade deles vem justamente do efêmero. E o que eterniza esse começo que se agarra fervorosamente ao fim, é a nossa capacidade de mantê-lo vivo na memória; mas não como um cemitério de lembranças, de onde tiramos uma nostalgia truculenta, que recorre às cobranças sobre não termos conseguido algo parecido ou melhor. Falo sobre perceber tais dias como milagres que são. Milagres de leveza e agrado, muito parecidos com aquele instante que antecede a revelação de um mistério. Quando percebemos que, depois dele, o antes jamais será o mesmo, ainda que venha a ser bem melhor.

Os dias são como páginas de um livro. Estamos sempre ligados à página atual pelo o que nos revelou as anteriores; e ao desejo pungente de saber o que há nas páginas que virão. Tecelões saberiam explicar melhor a teoria de que cada dia é um, ao conceberem suas obras a partir de retalhos, partes, fragmentos.

Fascina-me orientar solidões ao regalo dos fragmentos. Há inteiros disfarçados nestas partes. Então, há dias em que fico muda, bicuda, sem graça; daqui a pouco sorrio, gargalho, reverbero tolas valentias. Dias em que mil páginas cabem em uma, numa mistura sem regra de passado experimentado, presente destrambelhado e futuro idealizado. Dias em que todos os silêncios gritam sua mudez na minha alma.

Em dias como este: aquieto. Desafio minha humanidade olhando o mundo de longe. E, nessa lonjura, desperto a capacidade de voltar ao índice, ler prefácio, reiniciar a leitura de mim mesma.