sexta-feira, 13 de julho de 2012

Mar-Íntimo




Gastou um bom tempo observando a lonjura, o mar a sua frente, tão largo que não cabia na janela do olhar. Gastou esse tempo também torcendo a barra da saia, como se trançasse a trilogia das expectativas sobre a mudança. Ao seu redor, pessoas assanhadas com o feriado, clicando suas câmeras fotográficas, ansiosas por chegarem em suas casas e jogarem o horizonte nos seus computadores. E então, assistir ao mar em forma de pixels, inerte, congelado. Depois esquecê-lo num diretório com nome do qual jamais se lembrarão, e que acabará na lixeira na próxima limpeza virtual, sem que seja conferido o seu conteúdo.


Sempre foi fascinada pelo mar, por encará-lo de frente. Durante as horas em que costuma passar diante dele, ela escreve uma autobiografia silenciosa e criada apenas para suprir os seus desejos. Nas autobiografias desveladas em pensamento, no afã da sua criatividade, ela já foi guerreira ganhando batalhas, uma Joana D’Arc ainda mais destemida, defendendo uma crença, um sussurro em seu ouvido, uma voz escancarando o seu dentro. Também viveu seu quê de desbravadora, de menestrel, de estrela das artes, assim como compartilhou a refeição única do dia com aqueles que compartilhavam da sua condição de itinerante.

Se fossem capazes de lê-la de dentro pra fora, as pessoas não fotografariam lembranças para colecionarem já com a pretensão de esquecê-las. Usariam sim este tempo para a compreensão de que as mudanças são constantes, às vezes tão rápidas, que tatuar momentos na alma da gente é uma forma eficaz de mantê-los vivos. Não fabricariam memórias esquecíveis em computadores ou papel fotográfico, mas sim viveriam essa memória inteiramente, até que ela fizesse parte deles como faz parte dela agora. Não há como subtrair da alma de uma pessoa a beleza de uma lembrança.

Saiba que ela nada tem contra computadores e fotografias. Ela mesma possui notebook e câmera fotográfica. Não é a tecnologia que a incomoda, mas sim como as pessoas depositam nela o dever de ser a extensão segura de suas vidas. Há coisas que devemos viver de acordo com o nosso pulsar, que precisam ser experimentadas sem apego à facilidade. Às vezes, é preciso sentir, ao invés de registrar. Mergulhar em algo, ao invés de colecioná-lo no álbum de fotografias.

Pensa em alguém que vive as suas aventuras mais ricas, enquanto o seu olhar se afoga no mar; enquanto se perde na imensidão do seu dentro, nesse jeito onde não cabe outro senão os seus inventados, alguém assim não pode merecer que lhe toquem as mãos em conforto, demonstrando apreço e oferecendo companhia. Numa das suas autobiografias inventadas, ela consegue apenas olhar esse amor como agora olha para o mar.

E enquanto ao seu redor as pessoas angariam imagens ao clicarem suas câmeras, e falam todas ao mesmo tempo, criando um burburinho ritmado, ela esquece a si no horizonte, na imensidão do mar, na impossibilidade de mostrar a eles o que, dentro dela, acontece: desejo cingindo mudanças, uma sinfonia de acontecimentos, ora dóceis, ora tempestuosos. Tons e semitons, rupturas e aconchegos. O amor dado e recebido, horizontes fora de diretórios, mar em movimento.

A vida acontecendo.

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