quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tradução

desculpe mas não é carta de amor
não é um lamento
nem desvario
não é poema erótico
arcaico
híbrido
nem é bilhete pregado na geladeira
post-it fixado no espelho
feito lembrete desajeitado
tampouco é um livro
aberto sobre a cama
com trecho marcado
gritando leia-me

não é recado que menino grita
desculpe
mas também não é diário
caderneta de despesas
de mercado
não é papel perfumado
sem letras expostas
mas repleto de significado
nem mesmo pensamento
mancomunado
com a liturgia sobre a paixão
ou verbo alucinado
ecoando no delírio do ébrio

sinto muito
mas não são respostas às perguntas
no caderno de enquete
não tem a ver com formulário
burocracia
nem mesmo com a burocracia do gostar
nem chega perto
de ser jogo
porque perde o fôlego
antes mesmo de se esbaldar
na mesmice
não é premonição
não é sintoma

não é bombom sobre o criado-mudo
deixado pelo outro
que parte assim que o dia aparece
não tenta adocicar o que fica
quem fica
ou romantizar a falta
ela tão habituada a excitar
a vaidade
de quem a cultiva
não é baralho cigano
nem conselho
não é boleto bancário
ou receita médica

portanto
acomode-se
deite o olhar sobre o que é
sem ser de fato
deixe de procurar sentido
onde sempre quis
que a ilusão reinasse
deixe-se levar ao quarto
quinto
sexto
a todos os andares e andamentos
exorcizando o inquietante desejo
pela tradução.

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