terça-feira, 9 de abril de 2013

Acabou?! Que Pena!!!


É o que digo a mim mesma sempre que termino a leitura de um bom livro. Ou quando, ao final de um excelente filme, as luzes do cinema se acendem e sou obrigada a me despedir da trama e me retirar do recinto.

É que costumo me apaixonar perdidamente por alguns personagens e às vezes é difícil aceitar o fim do relacionamento (de horas ou dias) que estabeleço com eles.

Vivo sempre esse duro dilema: ao mesmo tempo em que devoro a obra ou as cenas do filme, ansiosa por descobrir o final do enredo, temo pelo fim da existência daqueles personagens, com os quais, a essa altura, já guardo profunda intimidade. E torço para que eles retornem em breve ao meu cotidiano, num segundo volume da obra, quem sabe.

Por mais completo e sublime que seja o desfecho apresentado pelo autor, custo a me conformar com o fim da existência dos personagens mais queridos. Não raro me pego pensando neles, ainda por um bom tempo, imaginando que rumo tomaram suas vidas (reais ou fictícias).

Estranho?! Talvez. Mas tenho lá minhas esquisitices mesmo.

Houve um tempo em que, confesso, tentei me livrar de algumas delas. Mas já há alguns anos cheguei à conclusão de que, sem elas (as esquisitices), eu não seria eu mesma. Afinal, nunca tive a pretensão de ser normal. Ou, ao menos, nunca tive a pretensão de me enquadrar nos moldes daquilo que a sociedade impõe como normal.

Talvez por isso eu tenha me apaixonado tanto por Ester, a última personagem com a qual convivi, ao longo da semana passada, enquanto devorava a obra intitulada "Por Linhas Tortas", de Cynthia França. Ao virar a última página do livro, sabia que sentiria falta do nosso envolvimento diário.

Após perder o pai de seu filho e seu grande amor, Miguel, durante um assalto na saída de uma agência bancária no Rio de Janeiro, quando se encontrava no terceiro mês de gravidez, Ester viu-se obrigada a trilhar novos caminhos, a descobrir novos rumos para a sua vida. E o fez, brilhantemente. Sem sucumbir aos obstáculos que a vida lhe apresentou, Ester se reergueu, admitindo para si mesma que era diferente e aprendendo a gostar disso.

Assumir aquilo que somos é, por vezes, um processo difícil e até doloroso. Sobretudo quando o que somos contraria aquilo que alguém, num belo dia, estabeleceu como certo. Ou aquilo que nos foi ensinado e imposto como sendo o melhor (ou o único) caminho a ser seguido.

Viver em conformidade com as próprias convicções, numa sociedade tão apegada a padrões de toda espécie, é no mínimo cansativo, porque nos obriga a conviver, constantemente, com o ar de espanto e a cara de estranheza daqueles que nos rodeiam. Difícil ser diferente sem se sujeitar ao olhar alheio. E o olhar alheio às vezes é cruel, porque se reveste de preconceito e rejeição.

Quanta energia despendida na inútil tentativa de explicar comportamentos que, no final das contas, em nada vão mudar o mundo. Mas, ainda assim, mil vezes o desgaste de ter que apontar, pela milésima vez (e sem qualquer esperança de ser compreendida), as razões pelas quais prefiro visitar a Índia a passar férias na Disney ou fazendo compras em Miami, em vez de optar por qualquer desses dois últimos destinos apenas para agradar a quem quer que seja, e ser incoerente comigo mesma. Afinal, não há traição pior do que aquela que praticamos contra nós mesmos.

Se é difícil ser diferente em aspectos tão bobos, fico imaginando quão árdua deve ser a rotina daqueles que rompem com padrões sociais realmente relevantes. Como os que assumem um relacionamento homoafetivo  Ou como aquelas que, por opção (ou por não terem alternativa mesmo), resolvem ter um filho sem passar pela (obrigatória) etapa do casamento. Ou, ainda, como aquele rapaz negro, morador de periferia, que sonha com um futuro melhor para si, mesmo diante de tantas negativas, e que sabemos, todas elas por conta de sua condição de pobre e negro, se forma em uma universidade (por méritos próprios e não por cotas), e hoje, ocupa um cargo elevado e de destaque, contrariando todos os "nãos" que recebera ao longo de sua vida.

Tiro o chapéu para aqueles que se aceitam e se mostram ao mundo exatamente como são, sem qualquer traço de hipocrisia e a despeito da crítica alheia. Bato palmas para aqueles que agem exatamente de acordo com aquilo que pensam e pregam, despidos de qualquer tipo de véu que lhes encubra a essência.

Não se trata de sair pelo mundo, num ato de rebeldia, expondo ideias desprovidas de qualquer fundamento simplesmente porque nos passam pela mente ou apenas para contrariar aqueles que se comportam de forma diferente.

Ser autêntico é ser coerente. É viver em consonância com aquilo em que se acredita. É ser leal e verdadeiro com seus próprios valores. É ser fiel a si mesmo. Trata-se de uma autenticidade positiva e construtiva, cujo exercício requer alto nível de desprendimento e autoconhecimento.

Essa autenticidade talvez seja exercício para poucos, porque não são muitos os que estão dispostos a assumir suas convicções, rompendo com padrões e conceitos já estabelecidos. E, de fato, nem sempre é confortável a tarefa de se despir diante dos outros, arrancando máscaras, retirando vestes. Corre-se o risco da incompreensão ferrenha, da rejeição e do isolamento. Ou, ainda, da total e fria indiferença.

O fardo é grande, em todos os casos em que o preconceito e a intolerância são predominantes. Mas não é maior do que a frustração de se levar uma vida pautada em concepções alheias, que não guardam qualquer afinidade com aquilo que realmente somos.

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